Referência: JACC Adv. 2025 Mar 12 early online
Conclusão prática: O uso de cannabis tem efeitos adversos conhecidos—e podemos adicionar a doença cardiovascular e o risco de morte prematura em jovens saudáveis a essa lista.
Pérola da MBE: Ao considerar se uma associação pode ser realmente causal, os fatores de estilo de vida como exercícios, nutrição e uso de substâncias geralmente requerem vários estudos observacionais de uma ampla variedade de materiais de origem.
Dois estudos diferentes que abordaram a mesma questão clínica—o uso de cannabis representa um risco para doença cardiovascular?—recentemente forneceram versões ligeiramente diferentes de "sim". Ambos os estudos examinaram associações populacionais entre exposição a cannabis e desfechos cardiovasculares em grandes populações de adultos. O primeiro estudo foi uma meta-análise de dados observacionais que cobriu cerca de 1,7 milhão de pessoas com mais de 18 anos, e o segundo estudo examinou solicitações de dados médicos para aproximadamente 4,5 milhões de pessoas entre 18 e 50 anos de idade.
No primeiro estudo mencionado, os autores, que publicaram na revista “Disease-a-Month” em janeiro, examinaram o risco de eventos adversos cardíacos em um grupo diversificado de pessoas com condições variadas de saúde. Por exemplo, 1,2 milhão das 1,7 milhão de pessoas incluídas na meta-análise eram de um único estudo de canadenses que estavam grávidas no momento da inclusão no estudo. Elas foram questionadas ao início do estudo sobre se já haviam usado maconha no passado (junto com muitas outras perguntas) e foram acompanhadas quanto a desfechos de saúde por 30 anos. Este estudo observacional prospectivo, combinado com vários estudos muito menores, foi usado para calcular um risco relativo (RR) de desfechos adversos cardíacos agregados para o uso versus o não uso de cannabis, o qual foi igual a 1,48, com um IC de 95% de 1,2 a 1,9. No entanto, os RR de eventos específicos—infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral—não foram significativos.
Os autores do segundo artigo, publicado recentemente no “JACC: Advances”, adotaram uma abordagem um pouco mais direta acessando o conjunto de dados da coorte retrospectiva TriNetX, de propriedade privada. A TriNetX usa conjuntos de dados de informações de saúde anonimizadas de centenas de organizações de saúde globais para conduzir projetos de pesquisa em larga escala assistidos por IA. Para este artigo, os pesquisadores compararam informações sobre códigos de diagnósticos entre 2010 e 2018 para dois grupos de adultos aparentemente saudáveis entre 18 e 50 anos que não apresentavam risco cardiovascular conhecido (incluindo histórico familiar ou uso de tabaco), mas foram diferenciados quanto a uso de maconha documentado em seu prontuário médico. Isso incluiu as pessoas com transtorno por uso de cannabis e aquelas que relataram tê-la usado. Os dados foram limitados, pois não puderam captar a quantidade, a via ou a duração do uso ao longo do tempo. Os registros médicos de quase 4,6 milhões de pessoas foram examinados para se chegar a dois grupos pareados quanto à propensão de 89.776 pessoas cada, os quais diferiam essencialmente apenas em relação a terem um histórico de uso de maconha. Novamente houve riscos absolutos e relativos significativamente maiores para eventos agregados, embora desta vez o conjunto de dados tenha demonstrado riscos adicionais de mortalidade, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral isquêmico e insuficiência cardíaca. Por exemplo, para uma combinação de eventos adversos cardíacos maiores, o risco foi de 1,19% versus 0,37%, para uma razão de chances ajustada de 3,27, intervalo de confiança de 95%: 2,9-3,7. Achamos que este estudo foi particularmente interessante por causa do uso de um conjunto de dados privados disponível comercialmente—e os resultados mostraram que mesmo as pessoas mais jovens, sem outros fatores de risco além do uso de cannabis em seu histórico médico, estavam em risco, em concordância com informações anteriormente relatadas.
Os defensores do uso de cannabis (uma indústria extremamente lucrativa com orçamentos de marketing imensos) costumam afirmar que ninguém jamais morreu de overdose de maconha. Eles promovem os benefícios medicinais e, ao mesmo tempo, usam brechas legais para evitar a supervisão dada aos produtos farmacêuticos padrão. Aqueles entre nós que são aficionados por história saberão que alegações semelhantes já foram feitas no passado em relação a supostos benefícios e uma relativa segurança do álcool, do tabaco, da cocaína, da heroína e de outras substâncias medicinais naturais. Esses dois estudos aumentam a crescente literatura que mostra que, embora a cannabis não cause morte por overdose induzida por depressão respiratória, ela pode causar morte aguda e danos por outras maneiras. Há ressalvas: os dados observacionais, mesmo quando a propensão corresponde, nunca podem controlar os fatores de confusão de forma tão efetiva quanto a randomização. E, embora haja um risco absoluto de mortalidade maior que zero para as pessoas jovens saudáveis, ele é muito baixo. Neste mês, o ACP publicou uma declaração de posicionamento que sugere que os benefícios do uso da cannabis na dor crônica devem ser equilibrados com os riscos em certas populações de alto risco. Esses estudos sugerem que todos os consumidores de cannabis assumem um risco, não apenas certas populações. Claro, as evidências são falhas e relativamente fracas. Por outro lado (e para outra edição do MBE em Foco), as evidências de benefício são igualmente fracas. O que você dirá aos seus pacientes?
Para mais informações consulte o tópico Efeitos adversos dos canabinóides na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Dan Randall, MD, MPH, FACP, editor adjunto sênior da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, FAAFP, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta sênior da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; McKenzie Ferguson, PharmD, BCPS, redatora médica sênior da DynaMed; Rich Lamkin, MPH, MPAS, PA-C, redator médico da DynaMed; Matthew Lavoie, BA, revisor médico sênior da DynaMed; Hannah Ekeh, MA, editora associada sênior II da DynaMed; e Jennifer Wallace, BA, editora associada sênior da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.